Trump pressiona, Califórnia reage e imigração vira trincheira política
Decisão de Trump de mobilizar a Guarda Nacional na Califórnia sem aval do governo local foi classificada como “abuso de poder”
atualizado
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As ruas de Los Angeles, na Califórnia (EUA), se tornaram palco de protestos e confrontos no último fim de semana, após operações do governo federal contra imigrantes. A resposta imediata da população, com atos em várias regiões da cidade, provocou a reação do presidente Donald Trump, que ordenou o envio da Guarda Nacional ao estado sem o consentimento do governador Gavin Newsom.
O que é a Guarda Nacional
- A Guarda Nacional é uma força de reserva das Forças Armadas dos EUA, presente em todos os estados, com funções tanto estaduais quanto federais.
- A Força atua em desastres naturais, crises de segurança interna e até em missões militares no exterior.
- Normalmente, quem comanda a Guarda é o governador do estado. Mas, em situações específicas, o presidente pode assumir o controle, como em casos de rebelião, invasão ou quando as leis federais não estão sendo cumpridas.
- No caso dos protestos em Los Angeles, Donald Trump mobilizou a Guarda Nacional sem autorização do governador da Califórnia, Gavin Newsom, alegando risco à segurança nacional.
- Newsom reagiu afirmando que a situação estava sob controle e acusou Trump de agir por motivação política, buscando inflamar os protestos ao invés de conter a tensão.
O episódio intensificou o embate entre a Casa Branca e o estado mais populoso do país, e expôs mais uma vez como a imigração se consolidou como uma trincheira da disputa política nos Estados Unidos — um ponto fixo e inflamado de conflito entre dois lados opostos da política norte-americana.
A decisão do presidente republicano provocou reação imediata de autoridades estaduais e abriu um novo capítulo na já tensa relação entre o governo federal e o estado da Califórnia, governado por democratas. O governador e o procurador-geral do estado contestam a legalidade da intervenção e acusam a presidência de abuso de poder e uso político das forças armadas.
Início das tensões
A escalada começou na sexta-feira (6/6), quando agentes do ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas) realizaram operações em diversos pontos de Los Angeles.
Ao todo, 44 pessoas foram detidas por situação migratória irregular, número confirmado tanto pelas autoridades federais quanto por organizações independentes, como a Coalizão pelos Direitos Humanos dos Imigrantes (CHIRLA).
As ações geraram reações imediatas. Protestos eclodiram no centro da cidade e se espalharam por bairros com grande presença de imigrantes latinos, como Paramount e Compton.
Em resposta às manifestações, que incluíram bloqueios de ruas, depredação de veículos e confrontos com a polícia, as forças de segurança locais usaram gás lacrimogêneo, balas de borracha e granadas de efeito moral. Ao longo do fim de semana, mais de 100 pessoas foram detidas em todo o estado.
Veja vídeo dos protestos:
Envio da Guarda Nacional
Inicialmente, Trump falava em 2 mil soldados da Guarda Nacional, mas 300 foram enviados com a missão de proteger prédios federais, como o centro de detenção de imigração em Los Angeles.
A medida foi tomada sem o aval do governo local, que acusou o presidente de agravar a crise de maneira proposital.
“Trump teve sucesso, e agora as coisas estão desestabilizadas. Precisamos enviar mais policiais para limpar a bagunça de Trump”, escreveu Newsom em suas redes sociais. Para ele, a intervenção militar foi “inflamatória” e desnecessária.
Califórnia processa Trump por intervenção federal
Nessa segunda-feira (9/6), a crise institucional ganhou contornos jurídicos. O procurador-geral da Califórnia, Rob Bonta, entrou com uma ação na Justiça contestando a legalidade do envio da Guarda Nacional por ordem direta do presidente, sem a anuência do governo estadual.
A base legal invocada por Trump — a seção 12406 do Título 10 do Código dos EUA — permite a federalização da Guarda em situações extremas, como rebeliões ou ataques à ordem constitucional.
Para o estado da Califórnia, essas condições não estavam presentes. “Não há invasão. Não há rebelião. O que há é um presidente tentando fabricar o caos”, afirmou Bonta em nota oficial.
Newsom também enviou uma carta ao Departamento de Defesa pedindo a revogação da mobilização, classificando a medida como “ilegal, imoral e inconstitucional”. Para o governador, a convocação da Guarda Nacional é “ato de um ditador, não de um presidente”.
Ele defendeu que a mobilização das tropas estaduais sem coordenação local viola a soberania do estado e prejudica a capacidade de resposta em outras frentes de segurança.
“Abuso de poder”
A atitude de Trump mobilizou uma frente política entre governadores democratas de outros estados.
Em carta conjunta, todos os governadores democratas afirmaram que o envio unilateral da Guarda Nacional representa um “alarmante abuso de poder” por parte do governo federal. O comunicado alerta para os riscos de criar precedentes que comprometam a autonomia dos estados na gestão de crises locais.
“Governadores são os comandantes em chefe de suas Guardas Nacionais, e o governo federal ativá-las dentro das fronteiras estaduais sem consultar ou trabalhar com o governador é ineficaz e perigoso”, afirma a nota.
Segundo o documento, a convocação da Guarda Nacional mostra que o governo Trump “não confia nas autoridades locais”.
“Ameaçar enviar os fuzileiros navais dos Estados Unidos para bairros americanos enfraquece a missão de nossas forças armadas, corrói a confiança pública e mostra que a istração Trump não confia nas autoridades locais de segurança pública”, escreveram.
Política de imigração de Trump na Califórnia
O presidente Donald Trump tem adotado uma linha dura em relação à imigração desde o início de seu mandato. Entre as medidas, estão a revogação de políticas do governo Biden, a intensificação da fiscalização nas fronteiras e a retomada das detenções pelo Serviço de Imigração e Alfândega (ICE). Também voltou a aplicar leis antigas, como a Lei de Inimigos Estrangeiros, de 1798, que permite deportações sem julgamento em casos considerados ameaça à segurança nacional.
O governo ainda autorizou a expansão dos centros de detenção de imigrantes. Um memorando recente permitiu ampliar a base naval de Guantánamo para abrigar até 30 mil pessoas. Parte dos deportados está sendo enviada a unidades de segurança máxima fora dos EUA, como o Cecot, em El Salvador. Autoridades chamam erros ou deportações sem análise judicial de “dano colateral”.
A Califórnia tem sido o principal foco de resistência. O estado abriga mais de 10 milhões de imigrantes, dos quais cerca de 1,8 milhão estão em situação irregular. Também concentra grande número de famílias mistas, com filhos cidadãos americanos e pais sem documentação. Em todo o país, são mais de 6 milhões de famílias nessa condição, segundo o Pew Research Center.
A preocupação é que a deportação em massa possa afetar não só essas famílias, mas também a economia. A Califórnia, maior produtora agrícola dos EUA, depende fortemente da mão de obra imigrante: em algumas regiões, 70% dos trabalhadores não têm documentos.
Por isso, o estado tem adotado medidas para proteger imigrantes. Em 2017, a Lei dos Valores da Califórnia proibiu a cooperação entre a polícia local e as autoridades federais de imigração. Los Angeles, por exemplo, aprovou uma lei que veta o uso de recursos municipais para apoiar ações do ICE. Escolas públicas também se declararam “santuários” para estudantes indocumentados.
O termo “cidade santuário” descreve locais que limitam sua colaboração com o governo federal na fiscalização migratória. Além de Los Angeles, cidades como Nova York, Chicago e Houston também adotam políticas mais protetivas.